Autógrafos - Egito Gonçalves
Egito Gonçalves (1920-2001), Os Pássaros Mudam no Outono (1981)
Capa de Armando Alves (n. 1935)
Egito Gonçalves (1920-2001)
Poeta e tradutor, Egito Gonçalves seguiu uma tradição de vivência escandinava anteriormente experimentada pelo escritor José Gomes Ferreira (1900-1985, com estadia na Noruega) e pelo pintor e ensaísta Lima de Freitas (1927-1998, com estadia na Dinamarca), entre outros.
Essa vivência que, no seu caso, decorreu na Finlândia, reflecte-se de algum modo na sua obra poética, a qual conjuga uma preocupação social com uma profunda introspecção e depuração das imagens do mundo exterior. A esta característica junta-se uma pontual visão irónica da realidade, a qual por vezes se aproxima paradoxalmente quer do sarcasmo quer do desalento.
A sua actividade estendeu-se também à área editorial e à promoção do associativismo cultural, particularmente na zona do Porto, onde residia.
Do livro Os Pássaros Mudam no Outono, transcreve-se o quinto poema de As Zonas Quentes do Inverno:
"Há coisas que se quedam para sempre, coisas
em que o poema se alicerça: esse
rectângulo vermelho no alto da montanha;
ritual de pinheiros
num chão de xisto e urze onde buscávamos
a pureza
ou o sentimento dela: desafio
e comunhão na renda vegetal. Escolhemos
essa manta entre o céu e a água, manhã
e crepúsculo, onde só pássaros
chegavam
pelo silêncio do abraço,
equador de terras no ventre do sol. Agora
procuro na palavra a imitação do gesto,
a tradução da carícia: como dizer
um tal momento sem escolha? O breve minuto
em que a vida lança o vestido pela cabeça
e o esquece nas pedras. Tão pobre
afirmar que a eira vermelha parecia suspensa,
a colheita fazia-se
entre dobras de luz, rápidos zumbidos..."
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