Literatura Colonial Portuguesa
Alexandre Cabral (pseudónimo de José dos Santos Cabral, 1917-1996), Histórias do Zaire (1956).
Notável estudioso e especialista da obra camiliana, Alexandre Cabral publicou o imprescindível Dicionário de Camilo Castelo Branco (Editorial Caminho, 1988), entre dezenas de estudos, ensaios e obras de ficção. (No início da sua carreira, alguns dos seus trabalhos surgiram também sob o pseudónimo Z. Larbak.)
Alexandre Cabral produziu três interessantes volumes de ficção que reflectem a sua estadia em África – Contos da Europa e da África (1947), Terra Quente (1953) e Histórias do Zaire. Este último, publicado novamente em 1982 (Livros Horizonte), é um volume característico da sua obra ligada a África – uma vivência centrada no antigo território do Congo (particularmente nas antigas colónias da Bélgica e de França banhadas pelo rio Congo, ou Zaire) e um ponto de vista narrativo dedicado não apenas aos emigrantes portugueses mas também às populações naturais da região. O protagonismo destas constitui, aliás, o núcleo do livro. 'Daba-Goma', 'Kandot era o "boy" do Sr. Hiebler' e 'A "fula" Lubamba desapareceu' são narrativas que evidenciam ser a literatura colonial deste autor uma literatura que retrata a realidade, a magia e o inesperado das colónias africanas sem todavia ser, necessariamente, uma literatura apologista do colonialismo.
Embora por razões diversas, note-se que a violência e a tensão que pontuam o conto inicial, 'Gonçalves morreu numa noite de tempestade', surgem quase como premonição dos conflitos coloniais que irromperam em África nos anos subsequentes. Por esse facto, é surpreendente, mesmo, que este volume não tenha sido apreendido ou censurado pelo regime.
O único conto dedicado exclusivamente à presença portuguesa em África é a narrativa que encerra o volume – O "cacholas". Uma viagem de navio entre Angola e Portugal serve de pretexto para falar da vida a bordo, da diferença de classes, de viajantes clandestinos e de um tripulante cabo-verdiano, que acaba por falecer devido à indiferença dos serviços médicos de bordo. Um belíssimo conto que nos recorda a força dos contos de J. R. Miguéis (1901-1980) de temática semelhante, como 'Gente da Terceira Classe' e 'O Viajante Clandestino' (Gente da Terceira Classe, 1962).
A escrita de Alexandre Cabral, desenvolta e atraente, e o inusitado da ficção de muitos dos seus contos e novelas alertam-nos para a necessidade de redescobrir vários autores do século XX que têm vindo a cair no esquecimento.
Ilustração de Rogério Ribeiro (n. 1930)
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