Autógrafos - César dos Santos
César dos Santos (1907-1974), Neblina (1956).
Ilustração para a capa de Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957).
César dos Santos (1907-1974).
Jornalista, ensaísta e ficcionista, César dos Santos escreveu várias crónicas e reportagens sobre Lisboa. A sua atenção recaíu também sobre o Oriente e o Japão, sendo autor de O Japão na História, na Literatura e na Lenda (1943), O Japão Através da sua Literatura (1945) e Viagens Maravilhosas às "Terrras do Céu" (1949).
Durante a década de 1950, tal como acontece em Neblina, ainda anunciou a entrada no prelo de um conjunto de manuscritos intitulados Homens que Trocaram a Alma: I – Lafcadio Hearn; II – Venceslau de Morais (3 vols.), mas não existe registo da sua efectiva publicação.
Do seu livro de contos Neblina, transcreve-se um parágrafo de 'Sol Escondido':
"Era bem o farrapo de uma vida ao sabor do acaso, uma mulher que ainda não dobrara a curva para a vertente, mas em plena decadência. Flexível, quase aérea, de linhas correctas, formas delicadas, que teriam sido perfeitas antes de maceradas e poluídas pelos dominadores brutais, pelas sofreguidões e os sádicos apetites de embarcadiços exasperados na solidão errante, acirrados pela bebida, era de uma beleza triste, meiga e atraente, ao mesmo tempo submissa e perversa. Sob a aparência dolorida, de desconsolo, de lamentável abandono, de insensibilidade, o que quer que fosse de indizível e imperiosa atracção sexual, como o fremir da sensualidadae doentia, da languidez mórbida dos temperamentos voluptuários, ardentes, impulsivos, de excessiva temperamentalidade, transmitia uma forte e acaroçoadora sedução amorosa, apesar do estigma do vício, do grotesco do traje, do canalhismo adquirido no contacto com a fauna depravada e o meio degradante. Mas os olhos, insondáveis profundidades de mistério de onde poderia irromper o vulcão das paixões violentas e trágicas, tinham uma expressão de magoada doçura que enternecia; e na transparência desses oceanos de angústia e lágrimas represadas havia candura, delicadeza, o poético enlevo das almas femininas, emotivas, gentis e sonhadoras."
© Blog da Rua Nove