Diário (I) (1941; 2.ª edição, 1942).
A diarística é uma das vertentes mais marcantes da obra torguiana. Entre 1941 e 1993, o autor publicou os dezasseis volumes do seu Diário, obra fundamental do género na literatura portuguesa do século XX, e entre 1937 e 1981 os cinco volumes de a Criação do Mundo, um conjunto de textos autobiográficos e diarísticos ficcionados.
No primeiro volume do Diário, Torga ainda desliza para um registo de narrativa ficcionada (como acontece na entrada de 7 de Outubro de 1940 – uma narrativa de cinco páginas, com evidentes características de conto), mas ao longo dos volumes seguintes a obra assume-se como uma reflexão intimisma sobre o indivíduo e o mundo. Paralelamente, as anotações e reflexões diarísticas surgem como valiosos documentos sobre a situação social e política deste país ao longo de seis décadas. A própria irreverência de Torga, e a independência que se lhe conhece, estão aí registadas, incluindo as consequências dos seus actos num regime político que não suportava a independência ou a oposição dos escritores. O relato da sua estadia na prisão é um exemplo de dignidade mental, humana, e política. Para Torga, o seu diário não era um espaço para ajuste de contas políticas. A sua literatura, a sua vida, a sua ética eram, no conjunto, o seu manifesto. Social, político e, acima de tudo, literário.
Sublinhe-se o que Torga anotou no seu diário Diário (XII), publicado em 1977:
"Coimbra, 6 de Maio de 1974 – Continua a revolução, e todos se apressam a assinar o ponto.
– O senhor não diz nada? – interpelou-me há pouco, despudoradamente, um dos novos prosélitos.
E fiquei sem fala diante da irresponsabilidade de semelhante pergunta. Foi como se me tivessem feito engolir cinquenta anos de protesto."
Sophia de Mello Breyner & Jorge de Sena: Correspondência, 1959-1978 (2006).
Nesta correspondência podem-se conhecer alguns detalhes sobre o processo que envolveu a candidatura de Torga ao prémio Nobel da Literatura de 1960, proposta por um professor universitário estrangeiro. Podem-se ainda encontrar algumas opiniões sobre Torga. Em carta datada de 29 de Novembro de 1976, dirigida a Sophia e Francisco Sousa Tavares, seu marido, Sena escreveu:
"(...) Mas o silêncio e a raiva por continuarmos vivos é o nosso destino de escritores lusos, passados os 50 anos, a menos que – perdoa-me, Sophia, que o diga – se seja o teu admirado Torga, suficientemente não moderno para agradar a toda a gente. Porque nesse país de rasca chinela a gente não pode nem deve atrever-se a ser "moderno", a menos que copie expressamente o que as Franças e Araganças tenham decretado que o é. Veja-se como o Régio foi admirado e endeusado antes do Pessoa... E isto não significa, é claro, que eu não respeite o Régio ou o Torga, obviamente, muito mais que tanto safardana agora promovido a grande pelos partidos respectivos. Vi que falaste na sessão de homenagem ao Torga, na chafarica da Rua do Loreto – lá onde, por certo, ele não é agora pessoa inteiramente "grata"..."
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