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30
Mar07

Um Haikai de Bashô

blogdaruanove

Xilogravura de Yoshitora Utagawa (activo entre 1840 e 1880)

  

  haikai é uma composição poética japonesa que pretende sugerir um máximo de sensações através de um mínimo de palavras. Na sua forma clássica, apresenta apenas 17 sílabas, organizadas em terceto, com uma métrica de sete sílabas no segundo verso e de cinco sílabas no primeiro e terceiro versos.

  

Furu ike ya

Kawazu tobikomu

Mizu no oto

 

Matsuô Bashô (1644-1694)

 

 

Ah! o velho poço!

uma rã salta

som da água.

 

Tradução de Armando Martins Janeira (1914-1988)

   

 

Quebrando o silêncio

do charco antigo a rã salta

n'água - ressoar fundo.

 

Tradução de Jorge de Sena (1919-1978)

 

   

Um templo, um tanque musgoso;

Mudez, apenas cortada

Pelo ruído das rãs,

Saltando à água, mais nada...

Tradução de Wenceslau de Moraes (1854-1929)

 

  

Ah! o velho lago

... o baque na água.

Tradução de Paulo Murilo Rocha (publicada em 1970)

  

 

© Blog da Rua Nove

29
Mar07

Japonisme

blogdaruanove

Vincent van Gogh (1853-1890), Retrato de Julien "Père" Tanguy (1887-88)

© Colecção Particular

 

    O retrato do escritor Abel Botelho (1854-1917) que o pintor António Ramalho (1858-1916) meticulosa e simbolicamente efectuou em 1889 (http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/2007/03/25/) traduz uma das tendências da época, o Japonisme, que sucedeu a uma longa tradição ocidental de gosto pela chinoiserie.

   Embora os portugueses tenham chegado ao Japão em 1543, o gosto português e europeu manteve-se influenciado durante alguns séculos pelas importações da China, facto a que não terá sido alheia a lei japonesa de 1614, que proibiu o culto cristão no território, e a decisão de encerrar o Japão aos ocidentais a partir de 1639. Excepcionalmente, esta lei permitiu a manutenção de um pequeno entreposto comercial holandês no sul do arquipélago. 

   Só em 1853 o Japão alterou esta posição, com a chegada ao país de uma armada americana comandada pelo comodoro M. C. Perry (1794-1858) que forçou o restabelecimento sem limites das relações comerciais com o Ocidente.  

   As exposições universais serviram então de veículo transmissor do gosto pela cultura japonesa, particularmente a partir da exposição de Paris de 1867, mas também nas subsequentes exposições de 1878 e 1889. 

   Os pintores impressionistas e pós-impressionistas reflectiram muito desse fascínio pelo Japão. Vincent van Gogh (1853-1890) evidenciou essa influência em várias das suas obras, particularmente no retrato ilustrado. (Ver outras obras no site do museu Van Gogh: http://www3.vangoghmuseum.nl/vgm/index.jsp?lang=nl.) Nas artes decorativas, a Arte Nova recebeu muita da sua inspiração deste gosto. Também influentes arquitectos, como Frank Lloyd Wright (1867-1959), se deixaram cativar pelo fascínio do Japonisme.

   O ambiente que rodeia Abel Botelho retrata perfeitamente o gosto da época: um prato com decoração imari, à direita do observador, uma bijin (beleza) à esquerda e o próprio escritor envergando um kimono.

   Na literatura portuguesa, Wenceslau de Moraes (1854-1929) levou esse gosto pelo Japonisme ao extremo. Tendo assumido funções diplomáticas no Japão em 1899, aí permaneceu após a jubilação, em 1913, continuando a escrever obsessivamente sobre o país e as suas tradições.

   Durante o século XX, as movimentações políticas na Europa conduziram ainda a breves e inesperadas alianças militares e culturais, como aquela que se documenta no cartaz italiano de 1942.

  

Cartaz reproduzido em Yamato, Mensile Italo-Giaponnese, 1, ano III, Janeiro de 1943.

 

© Blog da Rua Nove

28
Mar07

Autógrafos - António Ferro

blogdaruanove

António Ferro (1895-1956), A Idade do Jazz-Band (1924).

Capa de Bernardo Marques (1898-1962)

 

 

 

António Ferro (1895-1956)

   Destacando-se inicialmente como escritor e jornalista, António Ferro veio a adquirir posição preponderante na política cultural do Estado Novo quando, em 1933, Oliveira Salazar (1889-1970) criou o Secretariado da Propaganda Nacional e nomeou Ferro para o dirigir. Apesar da importância e da influência do cargo, Salazar apenas atribuiu a este posto a categoria de chefe de repartição. Somente na década seguinte, já com o organismo rebaptizado como Serviço Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (a partir de 1944), viria o cargo de Ferro a ostentar a categoria de director-geral. A acção subjacente à expressão "Política do Espírito", slogan a que Ferro pretendeu dar um sentido prático, foi uma das imagens de marca deste organismo.   

   A acção de Ferro à frente do SPN/SNI estendeu-se às belas-artes, ao teatro, ao cinema, ao folclore e ao turismo, datando da década de 1940 a fundação das pousadas de Portugal. Embora a acção de Ferro tenha sido relativamente reduzida na Exposição Colonial do Porto de 1934, toda a encenação da Exposição do Mundo Português de 1940 reflecte a magnitude da acção propagandista e ideológica dos serviços que dirigia. Aliás, encenações similares haviam já sido ensaiadas nas representações de Portugal na exposição de Paris de 1937 e nas exposições de S. Francisco e, particularmente, Nova Iorque no ano de 1939.

   Ligado ao primeiro modernismo português desde a sua participação como editor na revista Orpheu (1915), Ferro manteve ao longo da sua vida e da sua carreira oficial relações privilegiadas, e de mútuo respeito, com a arte e os artistas. A sua acção à frente do SPN deixou, pois, uma marca indelével na cultura popular e intelectual das décadas de 1930 e 1940. A sua nomeação para embaixador de Portugal em Berna, na Suíça, no final da década de 1940, e posteriormente em Roma, na Itália, é entendida por muitos como o exílio dourado de uma personalidade que já não servia os fins do regime.

   Da obra A Idade do Jazz-Band, uma conferência que apresentou em várias cidades do Brasil em 1922 e 1923, transcreve-se um pequeno excerto que ilustra as preocupações modernistas, e futuristas, do autor: 

 

   "O jazz-band, natural da América, emigrou para a Europa, como já tinha emigrado o Tango. O que a Europa tem, actualmente, de mais europeu, é, portanto americano.

   E, entretanto, é curioso: A América, que vibra toda no ritmo do jazz-band, quasi não dá pelo jazz-band. A Europa envelheceu, teve um abaixamento de voz com as emoções da guerra. A Europa lembrava um soprano lírico em decadência.

   Foi a América que lhe valeu, que lhe injectou, nas veias murchas, a vida artificial do jazz-band. Por sua vez a Europa, ensinou à América as virtudes desse remédio, deu-lhe relevo, aperfeiçoou-o. A América, minhas Senhoras e meus Senhores, é o momento da Europa. Simplesmente, o que na América é vulgar, natural, quotidiano, na Europa é artificial, escandaloso, apoteótico... Na América, o jazz-band tem um ritmo de marcha. Na Europa é um hino. A Europa desmoralizou, admiravelmente, o jazz-band: pôs febre onde havia saúde. O jazz-band enlouqueceu na Europa, como - valha a verdade! - o Tango tomou juízo... A Europa, assustada pela siréne lúgubre, no pavor dos aviões inimigos, viveu na treva, durante a guerra. O jazz-band foi a siréne da paz. A América, minhas Senhoras e meus Senhores, é, neste momento, a luz eléctrica do Mundo!

   O jazz-band é o arco voltaico do Universo. As ruas tumultuosas, estrídulas, dissonantes, são os jazz-bands das cidades. As cidades são os jazz-bands das nações. As nações são os jazz-bands do mundo. O mundo é o jazz-band do Criador. O jazz-band é o dogma da nossa Hora. Nós vivemos em jazz-band. Sofremos em jazz-band. Amamos em jazz-band.

   Nas almas, nos corpos, nos livros, nas estátuas, nas casas, nas telas - há negros em batuque, suados e furiosos, negros em vermelho, negros em labareda. O momento é um negro. O jazz-band é o xadrez da Hora. Jazz-branco; band-negro. Corpos alvos - bailando; corpos de ébano - tocando. O jazz-band é o ex-libris do Século. Que as vossas almas bailem, ao ritmo deste jazz-band de brancos mascarrados pelo carvão das minhas palavras... [discurso interrompido por uma banda de jazz]"

 

Ferro e o actor Douglas Fairbanks (1883-1939)

Hollywood, estúdios da United Artists, 1927.

 

© Blog da Rua Nove

27
Mar07

Cape Cod

blogdaruanove

Photo © Wayne Flower

 

   Um caminho que nos leva até ao oceano. Lado a lado. Uma vedação que parece separar-nos. Uma melancólica viagem entre Osterville e Hyannis. Um mar sem ondulação. Um lago infinito e pantanoso. Palavras que não se dizem nem se pensam. Emoções que não se sentem. E tudo, tudo o mais, desaguando num vasto silêncio. No verão, Cape Cod pode ser tudo, tudo! Menos isto.

 

© Blog da Rua Nove

26
Mar07

Évora

blogdaruanove

Photo © brooksba 

 

   O cálido entardecer encostado a uma parede caiada. A memória de Florbela. As pedras da calçada. Pedaços de cal soltando-se. O calor do fim da tarde vindo ter connosco.

 

© Blog da Rua Nove

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