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Armando Ferreira (1893-1968), Beco do Alegrete (1959)
Capa de Stuart Carvalhais (1887-1961)
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Armando Ferreira (1893-1968)
Autor de mais de duas dezenas de best-sellers, numa linha que herdou influências dos textos humorísticos sobre o quotidiano lisboeta como os de Gervásio Lobato (1850-1895), de quem evoca o livro mais famoso, Lisboa em Camisa (1890), na sua obra Lisboa Sem Camisa (1934), e André Brun (1881-1926), Armando Ferreira é hoje praticamente um escritor esquecido. Os seus textos leves e o seu humor ligeiro afastam-no, aliás, da obra dos seus contemporâneos Santos Fernando e, particularmente, Mário Henrique Leiria (1923-1980), um escritor de culto até há poucos anos.
Transcrevem-se, de seguida, alguns parágrafos de Beco do Alegrete:
"O Generoso vivia com uma sobrinha, a menina Lurdes, "tilógrafa", empregada num grémio, muito moderna, tão moderna exteriormente, que o Graciano, o proprietário do "imóvel", a comparava a uma construção de dez andares, sem redondezas nem curvas, chata à frente e atrás, como uma caixa de fósforos, posta ao alto; ela porém, que era muito dada às "linhas" de hoje, não se ralava nada, e ao Rosalino, que já lhe propusera namoro várias vezes, durante a escolha dos discos para os bailes de domingo, explicara muito fisiològicamente convicta:
– Está muito mais perto o coração, quando o peito é chato...
A verdadeira razão de ela não ceder às investigações do esticadinho do Rosalino era outra; a influência do olhar perturbador do Chico, filho da senhora Andreza, galinheira, com lugar no Chão do Loureiro, um tipo muito "giro", artista fotográfico, que todos os dias ia para a Baixa, com a máquina, e já teria tirado mais de 5 mil retratos, se não usasse aquela táctica do faz que tira, mas não tira. A perturbação no coração da Ludrezinha, vinha de uma divergência de pontos de vista dos olhos do Chico; enquanto o direito lhe admirava o rosto, o esquerdo estava à espreita de quem se aproximava; aquela extravagância, impressionava-a eròticamente e por isso o Chico do "olho torto" tinha grande número de foxes açambarcados com a Lurdes, aos Sábados, no baile do quintal da Normanda – com grande arrelia do Rosalino."
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Armando Ferreira, Os Meus Fantoches (1943)
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