João de Barros (1881-1960), Humilde Plenitude (1951).
Na capa, vinheta de Raúl Lino (1879-1974) e marca de posse de Pinto Quartin (1887-1970).
João de Barros (1881-1960).
Recordado ainda hoje pelas suas adaptações em prosa da Odisseia, de Homero (c. 850 a. C.), e de Os Lusíadas ("contados às crianças e lembrados ao povo"...), de Luís de Camões (c. 1524-1580), entre muitas outras, João de Barros fundou em 1915 a revista mensal luso-brasileira Atlântida, que co-dirigiu até 1921 com João do Rio (pseudónimo, 1881-1921). Raúl Lino criou em 1916 o famoso ex-libris oval para a capa desta revista, uma ave sobrevoando uma onda, que João de Barros viria a adoptar.
Detalhe da capa da revista Atlântida, número 8, de Junho de 1916, a
qual apresentou pela primeira vez o ex-libris desenhado por Raúl Lino.
A sua obra poética e a sua obra literária, em geral, foram claramente ultrapassadas quer pela acção do pedagogo, através das várias adaptações literárias, quer pela do publicista. Apenas a sua efémera acção governativa será hoje mais obscura – exerceu o cargo de ministro no final da I República (1910-1926).
De Humilde Plenitude, transcrevem-se as primeiras cinco estrofes do longo poema Os Canais, uma das mais interessantes obras do autor:
OS CANAIS (Bruges)
a António Carneiro
A sonolência
A sonolência doentia dos canais,
Tem-me perdidas horas junto ao cais,
Horas perdidas,sem amor, sem violência,
Horas de cinza, agonizantes, sempre iguais,
Horas de chumbo – como a água dos canais...
Água parada,
Água viscosa, água soturna – água quase sem cor,
Onde a névoa adormece, onde o silêncio nada...
– Aves que passem, numa lenta revoada,
Barcos levados no balanço da remada,
São como sombras de cansaço e de torpor...
Miram-se as casas velhas e severas
Na água adormecida...
Olho as janelas – e não há sinal de vida...
Nunca floriram primaveras ou quimeras
Naquela paz adormecida...
Nunca ninguém amou ali: o nevoeiro,
O nevoeiro que arrefece,
Ia subindo, tão subtil e tão ligeiro,
Que entorpecia os lábios frios numa prece,
Que estrangulava os beiços moços, e vencia
o amor e a alegria.
Como ele paira sobre a água: a pouco e pouco
Enubla os longes da paisagem...
Imobiliza todo o gesto de coragem...
Se eu gritar alto – há de o meu grito sair rouco,
Tudo é vaga ilusão, tudo é miragem...
(...)
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