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Out07

Macau, 1936 (XXIV)

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   Entrou, não sabendo por que entrava. O seu olhar continuava fascinado pelos múltiplos brilhos daqueles inúmeros botões. Botões de madrepérola, de osso, de marfim. Botões de metal, de vidro, de madeira. Botões de plástico e baquelite. Botões de massa e de pedra. Jade e malaquite. Ónix e olho de tigre. Azeviche. Um mundo caótico e heterogéneo, alternando brilhos ofuscantes com pequenas sombras, que sugeriam discretos segredos.

   Uns dedos de unhas largas e achatadas, de mãos lembrando a lisura do pergaminho, afastaram da sua vista, lentamente, o brilho hipnótico daquelas minúsculas preciosidades. Parecendo despertar de longo encantamento, tentou compreender o que fazia ali, naquela pequena loja, que cada vez parecia mais sombria. Olhou à sua volta. Fazendas e fitilhos. Tudo harmoniosamente empilhado em prateleiras, exibindo cores gritantes, decorações exuberantes. Tecidos alegremente femininos e orientais na sua opulência colorida. Aproximou-se de algumas peças, deslizando lentamente os dedos por aquelas cores inacreditáveis. Sentiu a espessura lenta dos veludos, a velocidade deslizante das sedas.   O que é que fazia ali, afinal?

   "Talvez lhe interesse um fato por medida?", ouviu, numa voz que, tendo pronunciado apenas um único "r", lhe pareceu trocar os "rr" pelos "ll"... O velho comerciante falava Português. Com um sotaque muito próprio, é claro. "Desculpe todos estes botões espalhados. São peças preciosas, sabe... O luxo das cabaias também depende destes detalhes..." (Ahá! Desta vez iria jurar que o "r" tinha saído enrolado, mesmo, tornando "pleciosas" as peças...) Esquecendo a fantasia daquele preconceito disparatado, pensou no ridículo da oferta. "Um fato por medida, com aqueles padrões?"

   O comerciante pareceu adivinhar a sua perplexidade. "Se tiver a bondade de descer por além, poderá ver tecidos mais discretos, para homem." Desceram para a cave. Escura. Parecia estar ali o depósito de toda a sóbria discrição dos fatos ocidentais. Um armazém da moda masculina europeia e do seu conservadorismo, em tons de castanho, cinzento e preto. Mas ao fundo, como que brilhando entre toda aquela monotonia, surgia o resplendor claro do linho e do algodão.

   Havia também uma pequena porta. Fechada. Para além dela, o que parecia ser o ruído da cidade. E o ruído da multidão nas ruas da cidade. E o ruído de milhares de motores e  milhares de máquinas. O ruído das fábricas que pareciam não existir naquela cidade. 

 

Macau, cerca de 1936.

 

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29
Out07

Literatura Colonial Portuguesa

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Cartaxo e Trindade (1945-?), Chinanga (1969).

Autor que concitou radical concordância ou discordância e acaloradas amizades e inimizades, com a sua obra e com as suas opções de vida, Cartaxo e Trindade  viveu vários anos em Moçambique, tendo vindo a exercer o cargo de assistente universitário de Filologia Românica em Lisboa, durante o início da década de 1970. Sendo no final dessa década um militante da amizade e do intercâmbio com o mundo árabe (era entusiasta defensor da singularidade da via política e cultural então iniciada pela Líbia) veio a falecer vítima de SIDA, em data que não é possível precisar. 

Antes deste volume, tinha Cartaxo e Trindade publicado os livros de poesia Leve Aragem das Noites (1966), Treze Poemas Medievos (c. 1967) e 3.º Sexo Seixo (1968), anunciando-se em Chinanga o aparecimento para breve da Antologia da Novíssima Poesia de Moçambique e de Saudade Ronga (poesia), obras que, contudo, não se encontram referenciadas na B.N.L.

O seu livro Chinanga é dedicado a doze poetas e poetisas de Moçambique, que o autor classifica como os "novos das letras de Moçambique". Entre eles, encontra-se Luís Bernardo [Honwana (n. 1942)], a quem dedicou o poema Mamana, M'Chovane e Eu, cuja primeira estrofe é a seguinte:

 

   "aperto em meus braços de solidão

   a velha aldeia no monte de micaias

   m'chovane de algumas cantinas

   ermo cerrado flores negras

   estrada de terra batida

   onde o sol doura o doirado do orvalho santo

   as palhotas ficam metidas entre os arbustos

   e o capim cresce entre a terra e a lua(...)"

 

   Este discurso escrito, isento de maiúsculas e de qualquer pontuação e por isso próximo da oralidade, já tinha sido levada a outros extremos, conjugados com um aparente caos discursivo, no seu anterior livro, 3.º Sexo Seixo, o qual atingiu uma segunda edição ainda em 1968 e veio a ser compulsoriamente retirado do mercado pouco depois.

   A produção literária de Cartaxo e Trindade, assumidamente diferente e conscientemente candidata à marginalização na época em que foi publicada (note-se a dedicatória a Honwana, activista da Frelimo que havia estado encarcerado entre 1964 e 1967), surge como uma tentativa clara de dar voz à vivência negra na temática africana, insistindo no uso de léxico particular das várias etnias moçambicanas.  Mas esta característica, que não era exclusiva da literatura deste autor, surge acompanhada de uma proposta de inovação discursiva que remete claramente para um ensaio de modernidade literária na literatura colonial portuguesa. Este aspecto, que já tinha sido ensaiado na prosa durante essa década, particularmente em Angola, não tinha ainda sido consistentemente aplicado na poesia e surge como singular contributo do autor para a literatura colonial portuguesa de Moçambique. 

 

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