Literatura Colonial Portuguesa
Cartaxo e Trindade (1945-?), Chinanga (1969).
Autor que concitou radical concordância ou discordância e acaloradas amizades e inimizades, com a sua obra e com as suas opções de vida, Cartaxo e Trindade viveu vários anos em Moçambique, tendo vindo a exercer o cargo de assistente universitário de Filologia Românica em Lisboa, durante o início da década de 1970. Sendo no final dessa década um militante da amizade e do intercâmbio com o mundo árabe (era entusiasta defensor da singularidade da via política e cultural então iniciada pela Líbia) veio a falecer vítima de SIDA, em data que não é possível precisar.
Antes deste volume, tinha Cartaxo e Trindade publicado os livros de poesia Leve Aragem das Noites (1966), Treze Poemas Medievos (c. 1967) e 3.º Sexo Seixo (1968), anunciando-se em Chinanga o aparecimento para breve da Antologia da Novíssima Poesia de Moçambique e de Saudade Ronga (poesia), obras que, contudo, não se encontram referenciadas na B.N.L.
O seu livro Chinanga é dedicado a doze poetas e poetisas de Moçambique, que o autor classifica como os "novos das letras de Moçambique". Entre eles, encontra-se Luís Bernardo [Honwana (n. 1942)], a quem dedicou o poema Mamana, M'Chovane e Eu, cuja primeira estrofe é a seguinte:
"aperto em meus braços de solidão
a velha aldeia no monte de micaias
m'chovane de algumas cantinas
ermo cerrado flores negras
estrada de terra batida
onde o sol doura o doirado do orvalho santo
as palhotas ficam metidas entre os arbustos
e o capim cresce entre a terra e a lua(...)"
Este discurso escrito, isento de maiúsculas e de qualquer pontuação e por isso próximo da oralidade, já tinha sido levada a outros extremos, conjugados com um aparente caos discursivo, no seu anterior livro, 3.º Sexo Seixo, o qual atingiu uma segunda edição ainda em 1968 e veio a ser compulsoriamente retirado do mercado pouco depois.
A produção literária de Cartaxo e Trindade, assumidamente diferente e conscientemente candidata à marginalização na época em que foi publicada (note-se a dedicatória a Honwana, activista da Frelimo que havia estado encarcerado entre 1964 e 1967), surge como uma tentativa clara de dar voz à vivência negra na temática africana, insistindo no uso de léxico particular das várias etnias moçambicanas. Mas esta característica, que não era exclusiva da literatura deste autor, surge acompanhada de uma proposta de inovação discursiva que remete claramente para um ensaio de modernidade literária na literatura colonial portuguesa. Este aspecto, que já tinha sido ensaiado na prosa durante essa década, particularmente em Angola, não tinha ainda sido consistentemente aplicado na poesia e surge como singular contributo do autor para a literatura colonial portuguesa de Moçambique.
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