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12
Nov07

Macau, 1936 (XXVI)

blogdaruanove

 

   Estranho. Era tudo muito estranho, embora tivesse acontecido naturalmente. O inacabado passeio pela marginal. O  inevitável regresso à Rua de S. Domingos. A entrada naquela loja. Nada fazia sentido, mas tudo parecia encaixar-se. Veio-lhe à memória a imagem da caixa de segredo japonesa. Era isso mesmo. Tudo parecia encaixar-se, agora que o velho comerciante ("Tchang, chamo-me Tchang...") decidira convidá-lo a ver o que estava para além da porta do meio.

   Entrou. O barulho que imaginara quase não existia. A luz, escapando-se envergonhadamente de três ou quatro pequenas lâmpadas, iluminava uma dúzia de corpos dobrados sobre velhas máquinas de costura. Um espaço minúsculo. Mulheres idosas, de costas curvas, levantaram estranhamente as cabeças, criando imagens retorcidas, cheias de rugas e traços curvilíneos que pareciam gritar silenciosamente.

   As sombras davam uma ar deprimente a todo aquele cenário. Já nada fazia sentido, afinal. Tudo parecia um intrigante labirinto. Um labirinto disfarçado por um eclipse, súbito,  que ameaçava eternizar-se. Da penumbra surgiu então um quarto crescente. Um quarto crescente negro. Negro de azeviche. E desse negro absoluto, desse negro indizível, surgiu uma radiante lua cheia. Uma lua cheia alva de neve e sorridente. "Liang, a minha sobrinha-neta", disse Tchang. "O meu outro sobrinho anda pela Europa, com um jornalista belga e um velho marinheiro. Uns aventureiros que o desencaminharam..."

   Liang sorria, olhando para o chão. O  recorte do seu cabelo descaído, negro de azeviche, lançava-se para a frente, desenhando duas curvas que quase se tocavam. Estranho coração, aquele... "Podes ir, Liang...", disse Tchang. "Subimos, senhor?"

   Encontrou-se de novo na loja, sem se ter apercebido dos degraus ou da subida. "Quererá escolher alguns botões-de-punho para o fato?" Botões-de-punho? Claro... Aquela loja também teria botões-de-punho... De gavetas que pareciam não existir surgiram vários tabuleiros aveludados. A prata e o ouro refulgiam entre outros metais. Escolheu um par de botões japoneses que lhe recordavam o ouro embutido de Toledo. Uma vista do Fuji. Uma paisagem solitária. Sem pessoas. 

   Teve novamente consciência da sua solidão. Uma solidão agora banhada de luar. Recordou-se uma vez mais de Reis, em quem quase não pensara desde Port Saïd, e de alguns dos seus versos. "Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio. / Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos / Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas." Não trocara uma única palavra com Liang, nem sequer lhe sorrira. Imaginou Boubouka com o sorriso tímido de Liang, e imaginou-se a enlaçar as mãos com uma Lídia que parecia Boubouka. Imaginação. Tudo era imaginação. "Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos". Mas seria que apesar das coincidências nada fazia sentido, afinal?

   Olhou mais uma vez  para os botões-de-punho. Vendo o Fuji, pensou no casal japonês que conhecera no Sibajak, e no que estes haviam dito quando lhe ofereceram a caixa de segredo – "É preciso tempo e paciência para se aprender a abrir uma destas caixas..."


Macau, cerca de 1936.

 

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