Lord Byron - Uma carta de Portugal
Cork Convent, near Cintra (1840s).
Drawn by C. Stanfield, from a sketch by Capt. Elliot. Engraved by E. Finden.
É bem conhecido o enlevo que o autor inglês Lord Byron (George Gordon Noel, 1788-1824), nutria pela região de Sintra. Os dois versos "...Lo! Cintra's glorious eden intervenes / In variegated maze of mount and glen..." (canto I, estrofe XVIII), do seu extenso poema Childe Harold's Pilgrimage (1812-1818), são frequentemente citados para ilustrar este aspecto. No entanto, o seu desdém pelos portugueses, evidente ao longo das estrofes XIV a XXXIII do mesmo canto e frequentemente referido na sua correspondência, tem sido esquecido, com excepção de algumas diatribes académicas, velhas de muitas décadas.
A carta que se transcreve documenta eloquentemente os dois aspectos acima referidos - o elogio explícito de Sintra e a crítica irónica aos portugueses:
[Ao Sr. Hodgson]
"Lisboa, 16 de Julho de 1809."
"Até ao momento temos seguido a nossa rota, e visto todo o tipo de panorâmicas maravilhosas, palácios, conventos, &c., - o que, estando para ser contado na próxima obra, Book of Travels, do meu amigo Hobhouse, eu não anteciparei transmitindo-lhe qualquer relato de uma maneira privada e clandestina. Devo apenas observar que a vila de Cintra, na Estremadura, é talvez a mais bela do mundo.
Sinto-me muito feliz aqui, porque adoro laranjas, e falo um latim macarrónico com os monges, que o compreendem, uma vez que é como o deles, - e frequento a sociedade (com as minhas pistolas de bolso), e nado ao longo do Tejo, e monto em burros ou mulas, e digo palavrões em Português, e sou mordido pelos mosquitos. Mas quê? Aqueles que efectuam digressões não devem esperar conforto.
Quando os portugueses são pertinazes, eu digo 'Carracho!' - a grande praga dos fidalgos, que muito bem ocupa o lugar de 'Damme!' - e quando fico aborrecido com o meu vizinho declaro-o 'Ambra di merdo' [por 'Homem de merda' ?]. Com estas duas frases, e uma terceira, 'Avra bouro' [por 'Arre burro' ?], que significa 'Get an ass' ['Arranja um burro' ...!?!, obviamente uma tradução incorrecta.], sou universalmente reconhecido como pessoa de categoria e mestre em línguas. Quão alegremente vivemos sendo viajantes! - se tivermos comida e vestuário. Mas, em sóbria tristeza, qualquer coisa é melhor do que Inglaterra e eu estou infinitamente divertido com a minha peregrinação, até ao momento.
Amanhã começaremos a percorrer cerca de 400 milhas até Gibraltar, onde embarcaremos para Melita [por 'Melilla' ?] e Bizâncio. Uma carta para Malta aí me encontrará, ou será reexpedida caso eu esteja ausente. Rogo-te que abraces o Drury e o Dwyer, e todos os Efésios que encontres. Escrevo com o lápis que me foi dado pelo Butler, o que torna o mau estado da minha [escrita?] mão ainda pior. Perdoa a ilegibilidade.
Hodgson! Envia-me as novidades, e as mortes e as derrotas e crimes capitais e as desgraças dos amigos; e dá-nos conta das questões literárias, e das controvérsias e das críticas. Tudo isto será agradável - 'Suave mari magno, &c.'. A propósito, tenho andado enjoado e farto do mar. Adieu."
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