João da Silva
João da Silva, "Passarinhos vinde em bando a ver anjinho tão lindo." (1949).
Medalhão em prata, de Anjo da Guarda, para berço.
João da Silva (1880-1960)
Escultor marcante da primeira metade do século XX, tem sido votado ao esquecimento nas últimas décadas. Em parte devido à sua opção pelos mais diversos meios de expressão artística na escultura, alguns estigmatizados por pertencerem às chamadas artes decorativas, em parte pelas complicações legais que afectaram o seu legado artístico e a criação da sua Casa-Museu (http://pt.wikipedia.org/wiki/Casa_Museu_Jo%C3%A3o_da_Silva). Exerceu também a sua arte na medalhística, na numismática (são da sua autoria as famosas moedas de prata Caravela, que circularam entre as décadas de 1930 e 1960) e na joalharia (veja-se a soberba jóia reproduzida abaixo), tendo desenhado ainda várias peças especificamente para a produção cerâmica, em particular para as fábricas da Vista Alegre e do Candal, em Portugal, e da Rosenthal, na Alemanha.
Evocando João da Silva, escreveu José Rodrigues Miguéis (1901-1980) na sua obra, publicada postumamente, Aforismos e Desaforismos de Aparício (1996):
"13 de Dezembro de 1977
Creio que foi pela minha mão, em 1930, que a primeira imagem da Senhora de Fátima deu entrada em Portugal. Ao regressar da Bélgica, e do meu primeiro ano como bolseiro da Junta de Educação Nacional, detive-me em Paris de visita (demorada) aos nossos amigos expatriados (Proença, Sérgio, Cortesão e tantos outros). Foi então que o escultor João da Silva, destemido antifascista e livre-pensador, além de cunhado de António Sérgio, me pediu que trouxesse para aqui um medalhão de gesso do tamanho de uma roda de carroça com a imagem da milagrosa, que de cá lhe fora encomendada. Aceitei gostosamente o encargo do amigo, do artista e do correlegionário. Ao chegar a Irun, os carabineros puseram-me o problema da entrada em Espanha de uma obra de arte estrangeira, e exigiram-me o pagamento já não sei de que taxas aduaneiras. Protestei, naturalmente, e eles chamaram o capitão do posto para arbitrar o caso. Como ele tomasse o partido dos subordinados – obra de arte, havia que esportelar! – eu argumentei no meu melhor castelhano que aquela Benta Imagem de Senhora de Fátima (ou não sabia ele do Milagre?) era um artigo religioso da minha fé e meu uso pessoal, e que, todas as noites, eu não podia adormecer sem lhe ter rezado fervorosamente e de joelhos. "Ah!", disse então o militar, "se é um objecto pessoal de fé religiosa, então não está sujeito a imposto aduaneiro! Pode passar!" Fez-me uma continência respeitosa, imitado pelos subordinados, e eu, tendo correspondido, agarrei na gigantesca roda de gesso, e fui tomar lugar na carruagem."
João da Silva, Perseu e Andrómeda. Alfinete de peito em ouro, com esmeraldas, diamantes e uma pérola. Jóia leiloada pela casa Christie's, Genebra, em 1986.
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