Impressões do Outro Lado
Tanya Zaryski
Jarra em Vidro The Blue Vase (2001)
Em pleno caroço de Manhattan, dá-me a grata impressão de estar do outro lado. (Queremos sempre estar do “outro lado”...) J. R. Miguéis
Regresso a Chaves durante breves dias. E a cidade, que parece não mudar, está diferente. A diferença destaca-se nitidamente das memórias que conservo. A memória destas gentes, dos seus afectos, dos seus desejos. A memória do meu passado. A memória da cidade que foi. E quão diferente, de facto, está esta cidade.
Olhando-me todos os dias ao espelho, não me vejo mudar. Aqui, contudo, tenho consciência das transformações e da passagem, efectiva e inexorável, do tempo. Por cada ruga no rosto dos amigos, por cada branca no cabelo dos conhecidos, por cada ausência de rostos e lugares que já não voltam. Então compreendo como o tempo passou, como essas rugas, essas brancas, essas ausências anunciadas, fazem parte da minha existência. Aqui e agora.
Recordo Viana, Porto, Évora, Lisboa, Toronto, Nova Iorque. Cidades onde vivi anos e anos. Onde tenho amigos. Onde fui deixando afectos. Onde me revejo. Mas para ver a minha imagem reflectida, integralmente, preciso de Chaves. É aqui que compreendo a vida como um contínuo, como um conjunto de ciclos que se alternam, mas que têm um centro comum. E sinto palavras de há vinte anos como se as tivesse acabado de escrever...
Cidade. Recordação enevoada de uma infância quase esquecida, perdida já entre as velhas casas e a desguarnecida muralha da vida. Breves instantes de atemporalidade, em que voltamos a chutar a bola de trapos no terreiro da Lapa, ou a ler as espantosas e mirabolantes aventuras de Serafim e Malacueco num estreito e gasto passeio da rua de Santa Maria. Afirmação nítida do nosso carinho por esta terra e por estas gentes, qual carícia maternal que nos traz aconchego e protecção. Consolo inesgotável do inverno que inevitavelmente envolve o nosso ser.
© Blog da Rua Nove