Jorge de Sena - A Regra e a Excepção
Jorge de Sena (1919-1978),
Dedicácias (publicação póstuma, 1999).
Impressões do Outro Lado: "...a [obra] de Sena me surge, mesmo na poesia, como obra fundamentalmente racional." Ocorrem excepções, claro, onde o racional se conjuga com o emocional - Dedicácias. Para que não hajam dúvidas, transcreve-se um dos poemas dessa obra. E se pensam que este texto é extremamente escandaloso e chocante, desenganem-se. Surgem outros poemas no livro que bem rivalizam com a Poesia Erótica, Satírica & Burlesca de um senhor chamado Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), para já não mencionar a obra de um Pietro Aretino (1492-1556).
Dedicácias: a não perder!
"Sua Putidade o Crimertídaco
Esse filho de quem nem pode chamar-se bem uma puta,
persegue-me, arranha-me, arrepela-me, cospe
sempre ao meu lado, e nos lugares aonde
julga que eu passei. Filho como é,
do que nem pode chamar-se bem
uma puta, vive de cuspir, de arrepelar
de arranhar, de perseguir as sombras
que ele julga serem as de quem não passa
onde a mãe o deu à luz,
depois de untada a vida com lubrificante
que lhe ficou, brilhantina, agarrado ao cabelo,
e a mãe, logo que o viu, lhe calçou
meias verdes e lhe comeu o imbigo [sic].
Filho do que, de puta, nem por prenha basta
para gerar um esterco assim tão penteado,
tão crítico, tão de meias verdes,
tão arrotantemente porco nas regueifas que
do cachaço ascendem ao tutano encefálico,
julga suinamente que não há lugares,
nem seres humanos, livres da presença
de Sua Putidade. Há.
Exactamente as pessoas e os lugares aonde
ser filho da puta é ser filho da puta,
com ou sem regueifas nas ideias
ou verdura nas meias,
ou brilhantina uterina
de quem lambido foi em sua mãe
antes de nascer para cri-mer-tí-da-co.
3 de Agosto de 1962"
...E se pensam, novamente, que as críticas são apenas cobardemente vagas e anónimas, desenganem-se uma vez mais! Vitorino Nemésio é claramente identificado e criticado (desancado!...) nas Dedicácias, bem como Hernâni Cidade, Fidelino de Figueiredo, Álvaro Pimpão, Paulo Quintela, João Gaspar Simões, Mário Cesariny de Vasconcelos (nem queiram saber!...) e outros, muitos outros, mais ou menos identificáveis... Um autor transmontano também por lá aparece...
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