Autógrafos - António de Sousa
António de Sousa (1898-1981)
Ilha Deserta (1954)
Capa e desenhos de Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957)
António de Sousa (1898-1981)
Membro do grupo Presença, António de Sousa colaborou também em revistas como Seara Nova e Vértice. Embora alguma da sua obra se possa inserir no neo-realismo, pela sua poesia perpassa frequentemente o desalento perante o quotidiano, combinando-se com sentimentos de melancolia e desencanto. Uma perspectiva que valoriza muito mais a experiência individual e o aproxima profundamente do movimento presencista.
Do volume Ilha Deserta, transcrevem-se dois poemas:
Carne
Tinham fome um do outro.
Sobre o leito, no escuro, morderam-se como feras.
(Ela tinha as ancas fortes e os seios pequenos;
ele era ágil como convém.)
Depois, nus e calados, esperaram a manhã.
E uma dor inútil beijava-os dos pés à cabeça.
A Velha Sala
A velha sala sonolenta
cheira a bordado a missanga,
a flores mortas, a tristeza, a pó.
Cheira a silêncio inútil
e amareladas pontas de cigarros
só fumados até meio.
A traça roi, nas estantes,
livros que já ninguém lê,
livros que ninguém leu até ao fim.
Do piano, se o tocassem,
a música sairia com bolor!
Da velha sala sonolenta
vem qualquer coisa que dá pena
e vontade de fugir!
Oh, a minha alma cheia de saudades!
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