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05
Fev08

Homenagem a Branquinho da Fonseca

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Branquinho da Fonseca (1905-1974), Bandeira Preta (1956; presente edição, cerca de 1962). Capa de Guilherme Castilho (1912-1987?).

 

   Branquinho da Fonseca é certamente um autor reconhecido principalmente pela sua novela O Barão, cuja acção decorre em Barroso. O seu livro Bandeira Preta, contudo, constitui-se como um conjunto de deliciosas narrativas que evocam os mundos da infância e da adolescência no final da década de 1910, na Beira Alta. É, sobretudo, uma viagem maravilhosa por léguas que não vêm em mais nenhum mapa, a não ser o do narrador e das personagens:

 

   "Pouco tempo depois dobravam a lomba da serra, que traçava a fronteira dos concelhos. Já ao longe se avistavam outras campinas verdes e pontos de casario branco. Mas a distância enganava. A serrania fazia pregas e repregas, que estendidas em passo de gente dão léguas que não vêm no mapa."

 

António Madeira (pseudónimo de Branquinho da Fonseca), O Barão (1942). Capa de Fred Kradolfer (1903-1968).

 

© Blog da Rua Nove

17
Ago07

Miguel Torga (VI)

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   Entre 1937 e 1981 Torga publicou os seus cinco volumes de A Criação do Mundo, num registo diegético que se estendeu até ao sexto dia. Curiosamente os três primeiros volumes saíram anualmente entre 1937 e 1939, mas o quarto apenas se publicou trinta e cinco anos depois, em 1974, e o quinto em 1981.

   No relato do terceiro dia de A Criação do Mundo (1.ª edição, 1938; 2.ª edição, refundida, 1948), esta sequência de anotações autobiográficas abrange o final da estadia do suposto alter ego literário do autor no Brasil, durante a década de 1920, o seu regresso a Portugal, a frequência do curso de medicina em Coimbra, a sua conclusão e o regresso frustrado e frustrante à sua terra natal, a sua colocação como médico de província e a sua partida para um périplo europeu, no final da década de 1930.

   A importância deste volume, em particular, reside no relato que Torga efectua sobre o seu relacionamento com as revistas e movimentos literários da época. Por tal facto, transcrevem-se passagens mais longas do que habitual, considerando o que elas representam quanto à doutrina, estética e ética literária do autor:

 

   "Os antigos companheiros da Vanguarda [Presença] eram agora meus inimigos. Cada vez me perdoavam menos a cisão do grupo, de que eu fora o principal autor. Cristalizados na sua verdade, não podiam compreender que é próprio da natureza humana a aventura, embora à custa da destruição. Admirava-os e estimava-os. Mas razões de discordância literária e razões de liberdade humana fizeram-me deixá-los e tomar outro caminho. E em vez de olharem com simpatia o que eu descobria no meu novo rumo, como eu olhava com simpatia o que eles descobriam no seu, insistiam no aspecto humano e desagradável das nossas relações."

 

  

   A passagem que se segue é especificamente significativa, não apenas pela apreciação da revista Presença, mas também pela incursão que as reflexões de Torga realizam pelo neo-realismo, explicando em certa medida a génese de alguns dos seus contos, como Firmeza e Minério, e justificando implicitamente a não insistência nestes modelos.

   Todas as outras considerações estéticas, literárias e sociais são eloquentes por si próprias, dispensando qualquer comentário. Assinale-se, contudo, a incursão de Torga pelo questionável conceito da "literatura do bom gosto", quando analisa a importância da Presença, e a sua insistência num conceito que sempre o definiu, a si e à sua literatura – "cada qual na sua intimidade inviolável".

  

   "Mal saíra da Vanguarda, fundara uma revista para lhe opor, Facho [Sinal; Julho de 1930], que morreu ao nascer. Conhecia ainda mal as razões profundas do meu gesto. Deixara-me guiar pelo instinto, que me empurrou para a revolta e a solidão; mas, quando fui a querer dar corpo doutrinário ao acto, falhei. O único número que apareceu não se podia comparar nem de longe nem de perto em serenidade expressiva a qualquer dos da Vanguarda. Era incerto, confuso, tumultuoso. De resto, não conseguira colaboradores. Enchemo-lo eu e o Sobral [Branquinho da Fonseca], que abandonara comigo o movimento, e era impossível manter uma publicação com duas penas. Com o tempo, porém, estruturaram-se as minhas razões, surgiram outras discordâncias, e aquilo que fora balbuciado podia finalmente dizer-se em voz inteligível. Surgiu assim Trajecto [Manifesto], que eu dirigi, e onde o Gonçalo e o André colaboravam assìduamente.

   Queríamos uma arte viva e atenta ao eterno do circunstancial. A Vanguarda arejara a literatura do bom gosto e da crítica. Mas faltara-lhe força para agarrar o humano com mais coragem. Contentava-se com o aprofundamento dos dramas do artista e dos seres de excepção, esquecendo-se de que buscando a profundidade não abrangia a extensão. O velho mundo social estrebuchava já na agonia, desenhavam-se no horizonte os primeiros sinais de combate, e ela cega no seu esteticismo. O  muito que fazia era pouco, afinal. O tempo correra mais depressa do que o seu esforço. Proust e Gide, a última palavra revelada nas suas colunas aos leitores embasbacados, lá fora ou estavam velhos ou pelo menos ultrapassados. Integrados numa cultura universal, eram evidentemente marcos miliários. Mas como polarizadores das angústias presentes tinham perdido a actualidade e a significação. Outras consciências se esforçavam numa procura mais geral e menos egoísta. A arte fora finalmente tocada pela fraternidade.

   Sabíamos que mergulhar demais a pena criadora nessa consciência social implicava o seu risco. Um sistemático enternecimento do artista pela dor e pela miséria duma classe, sendo humanamente um dever, tornaria a arte unilateral e falsa. De tanto pedir justiça, os versos tingir-se-iam de monotonia. Uma página de prosa a apontar misérias obstinadamente, chegaria ao fim mais seca do que um relatório. E de uma arte abstracta transitar-se-ia para uma arte artificial. Pedir-se ao artista que sacrificasse o seu individualismo criador na fogueira colectiva, era roubar-lhe uma autonomia de movimentos, fundamental a toda a invenção e originalidade.

   Por isso procurávamos um caminho de livre e positiva realização, onde nem o homem fosse traído, nem o artista negado. Nenhuma angústia nos era estranha, nem abafávamos com melodias o grito dos oprimidos. Atentos à lição do passado e aos horizontes do futuro, vivíamos o presente como homens de carne e osso, condenados à duração temporal do nosso coração. Fisiologia e circunstância, sabíamos no entanto que só merece a vida quem a sabe transcender em beleza e verdade. E lutávamos por essa beleza e por essa verdade com mãos limpas de artistas e cidadãos. Quente e generoso, cada número novo era uma conquista que mais nos iluminava. Ao lado do poema gratuito, a página candente e justiceira. A mesma homenagem comovida ao sábio, ao escritor, ao santo ou ao político que deixavam no laboratório, na banca, no ermitério ou na tribuna uma sincera palpitação humana de solidariedade e de amor. Embora individualistas, não concebíamos a vida sem ser articulada e total. O mundo inteiro unificado e feliz; e dentro dele cada qual na sua intimidade inviolável.

   Era para esse sonho que eu agora corria com redobrada pressa."

 

 

   "Esmagada pela bota da intolerância, Trajecto acabara. Para o último estertor, escrevi-lhe um cântico de naufrágio, e sobre a sepultura gravei-lhe um epitáfio de ironia. Quis que morresse em beleza e sorriso o que fora um baluarte de esperança e verdade. Mas morrera. E mais esse vácuo se abria sob os meus pés."

  

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