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27
Dez07

Manuel Ribeiro de Pavia

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Ilustração publicada postumamente na capa da revista Vértice, número 310, de Julho de 1969.

 

   "(...) Esta parece-me ser a lição mais urgente a salientar na vida do heróico Pavia (sim, heróico), antes que se atole no usual pântano de anedotas do esquecimento português.

   Outros falarão da sua obra de ilustrador, e das capas dos livros, e das estampas, e das gravuras, e dos desenhos, onde paira por vezes como que a saudade dos frescos em muros que nunca pintou...

   Eu não. Desculpem, mas considero mais importante chamar a atenção dos jovens (dos jovens? e porque não dos velhos?) para este facto: no mundo, afinal, não existem apenas videirinhos e amarinhadores torpes; mas também homens como Manuel Ribeiro de Pavia, o Alentejano, que, sozinho e enigmático, não por motivos de boémia romântica, como certas pessoas com olhos por fora acreditam, mas por protesto vital, fez da sua vida uma espécie de greve da fome consciente e deliberada contra os armafanhadores de quimeras – os bestas!"

 

in José Gomes Ferreira (1900-1985), Imitação dos Dias (1966; 3.ª edição, 1977). 

 

 

Ilustração para o romance Fanga (1943), de Alves Redol (1911-1969), reproduzida postumamente na revista Vértice, número 258, de Março de 1965.

 

© Blog da Rua Nove 

20
Dez07

Manuel Ribeiro de Pavia

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Ilustração para a capa de A Noite e a Madrugada (1950), de

Fernando Namora (1919-1989).

 

   "(...) Nos últimos anos, alguns amigos [de Pavia], sentindo que aquele purgatório de privações começava a esvaziar-se de sentido e a adquirir o sabor mortiço a sonho coçado, tentaram convertê-lo  à complacência hábil de todos nós, os prudentes do meio termo.

   Mas a resposta silvava sempre igual, com o mesmo arreganho acre de asceta que não se rende (nem crê já, porventura):

   – Que tem você com isso?... Sai-me do corpo!... Do meu corpo, ouviu?

   E lentamente, com solenidade de passos medidos, quantas noites, depois de recusar um trabalho comercial bem pago, se fechava, sem jantar, no quarto, até às tantas, para ilustrar de graça o livro do poeta Qualquer Coisa, a quem instigava com a admiração constante de leitor ideal, ou a novela do estreante Outra Coisa Qualquer, que se destinava a apodrecer nas montras? (...)"

 

in José Gomes Ferreira (1900-1985), Imitação dos Dias (1966; 3.ª edição, 1977).

 

  

Reprodução póstuma de um desenho para o livro Cantigas de Circunstância (1949), de Armindo Rodrigues (1904-1993), na capa da revista Vértice, números 424-425, de Setembro/Outubro de 1979.

 

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13
Dez07

Manuel Ribeiro de Pavia

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Ilustração publicada postumamente na capa da revista Vértice, número 305, de Fevereiro de 1969.

 

   "Rejeição da proposta de um mito.

 

   Durante a breve e funesta doença que matou o Manuel Ribeiro de Pavia confundiu-me, confesso, a ausência, dir-se-ia concertada, dos artistas plásticos.

   Poucos apareceram naquele burburinho dramático de vozes arrependidas (que se cria sempre na sala ao lado do quarto dos moribundos). Uns por esta razão. Outros por aquela. Algumas razões bem válidas por certo. Nem importa saber quais. Pois, em boa verdade, agora apenas me interessa estranhar que os pintores perdessem esta ocasião de atirar às ventas do mundo com o cadáver de um homem que, para além do valor da sua obra, poderiam apresentar, senão como exemplo perfeito (e onde os há?), pelo menos como uma orgulhosa lição de coragem, de independência e de cólera viril contra os medíocres da exploração diária das malas-artes.

   Exagerou? Talvez. Sei lá! Mas neste planeta mesquinho de mostra-rabos e lombos curvos, quem ousa aí condenar tanta fidelidade violenta aos sonhos artísticos da juventude que não desejava ver maculados da mínima condescendência? (...)"

 

in José Gomes Ferreira (1900-1985), Imitação dos Dias (1966; 3.ª edição, 1977). 

 

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06
Dez07

Manuel Ribeiro de Pavia

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Ilustrações para Retalhos da Vida de um Médico (3.ª edição, ampliada, c. 1953), de Fernando Namora (1919-1989).

 

   "Final.

 

   E lá ficaste no Alto de S. João, Manuel Ribeiro de Pavia, onde, por mais que me esforce, não consigo ver-te deitado como os outros mortos... Mas de pé!

   Foi aliás em lembrança dos homens de raiz inteira como tu, Manuel Ribeiro de Pavia, que nos cemitérios se plantaram ciprestes, direitos, erectos, firmes... E solitários, também. Sozinhos. Como tu. Na morte e na vida.

   Tu que tiveste a coragem de transportar, desde a infância, essa tremenda solidão que nunca transformaste em bandeira de angústia e desespero, mas na mão quente dum protesto de dádiva completa contra os dominadores e pitosgas do mundo, diante dos quais nunca dobraste a espinha – Manuel Ribeiro de Pavia."

 

in José Gomes Ferreira (1900-1985), Imitação dos Dias (1966; 3.ª edição, 1977).

 

 

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29
Nov07

Manuel Ribeiro de Pavia

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Ilustração para a capa de Fuga (1945), de Faure da Rosa (1912-1985).

 

   "Últimos momentos.

 

   Estertor. A Morte escancarou as portas de par em par. Fala-se em voz alta. Já ninguém faz cerimónia. Só a dona da pensão, que desde a véspera choraminga pelos cantos, parece agora alheia ao desenlace que se aproxima. Apoiada a uma bengala lenta, vem acender o fogareiro de petróleo.

   – Para ferver a agulha... – principiou a explicar.

   Mas cala-se, com hesitação desconfiada de nos ver de repente tão graves.

   – Para ferver a agulha... – insiste ainda.

   Então, ouve-se lá de dentro um grito rouco... E pronto. Silêncio. O terrível silêncio dos homens inteiriçados que nos une a todos no mesmo nó no coração. O Carlos de Oliveira (transido e cada vez mais pasmado de se morrer assim...). O Mário Dionísio (afinal toda aquela frieza aparente não passa de ternura adiada...). O Joel Serrão (em que até os olhos pararam de rir...). O Armindo Rodrigues (o Armindo dos grandes momentos, dedicação em carne viva...). O Faure da Rosa (mais pálido e com uma espécie de aceitação cortês da nossa morte-morte sem remédio...).

   Silêncio. O terrível silêncio dos homens deitados – interrompido apenas pelo rumor da chama votiva do fogareiro de petróleo do 3.º esquerdo..."

 

in José Gomes Ferreira (1900-1985), Imitação dos Dias (1966; 3.ª edição, 1977).

 

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22
Nov07

Manuel Ribeiro de Pavia

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Naríade Galvão (datas desconhecidas), Tormenta (1953).

 

   "Vinte minutos antes.

   Os homens extraem prestígio de tudo – até do suor de um artista na agonia.

   Se vissem o contentamento parvo de orgulho infantil com que vim contar ao grupinho da saleta que o Pavia me havia reconhecido durante a segunda visita. 

   Sim, reconheceu-me. Tenho a certeza. Li-lho no olhar, aberto por segundos numa exclamação de surpresa interrogativa, suspensa, preocupada... E em que ardia também a mesma ternura antiga das tardes podres do Café Chiado, quando nos encontrávamos com as saudações habituais:

   – Então? Além de não haver nada, que há de novo?

   – Uma maravilha, Zé Gomes.

   Mas o olhar não tardou a apagar-se... E a ponte, de lá para cá, ruiu."

 

in José Gomes Ferreira (1900-1985), Imitação dos Dias (1966; 3.ª edição, 1977).

 

©  Blog da Rua Nove

15
Nov07

Manuel Ribeiro de Pavia

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Ilustrações para Retalhos da Vida de um Médico (3.ª edição, ampliada, c. 1953), de Fernando Namora (1919-1989).

 

   "(...) Confesso que este Pavia, mesmo com as duas faces justapostas – que só por abstracção de ódio ou apologia inepta se podem separar – , nunca me interessou. O outro, sim. O combatente de um Sonho de Arte-maior-do-que-ele, ao qual sacrificou tudo: vida, bem-estar, saúde, amor e porventura até o próprio Sonho... E o vagabundo, arrastado desde a infância por um fogo de Aventura que nenhum vento conseguiu apagar e se adivinhava em cada gesto, em cada praga, em cada sorriso, em cada sarcasmo, em cada olhar de desprezo com que fulminava o Universo, quando descia o Chiado, imponente e ágil, sem cinco réis na algibeira rota de príncipe.

   Admirável Pavia!, inventor de quimeras e devorador encantado de poemas, tão diferente de alguns badamecos que por aí andam, cobertos de musgo pilha, a fingirem de artistas... E afinal, à hora da morte, que deixam?... Sim, que deixam?... Nem obra nem vida. E muito menos esta bagatela qur transcende às vezes a própria obra e constitui como que o segredo da imortalidade, alcançada por poucos à custa de incêndio, de cólera, de fome, de dor, de paixão nua: dar-se ao mundo como matéria-prima para um mito.

   De súbito, o Domingos Monteiro entrou na sala, confrangido de desânimo.

   – Chamou-me para me pedir que não o deixasse morrer – disse.

   Arrepio de lágrimas em muitos olhos.

   Em todos, menos nos meus. Eu não choro. Não quero passar dias e dias com remorsos de ter aproveitado este pretexto para chorar por mim."

in José Gomes Ferreira (1900-1985), Imitação dos Dias (1966; 3.ª edição, 1977).  

  

 

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18
Out07

Manuel Ribeiro de Pavia

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Ilustração para a capa de Filhos do Diabo (1954), de Manuela de Azevedo (n. 1911).

 

   "(...) Heróico Pavia!, companheiro de poetas, ilustrador de poetas, apaixonado leitor ideal de poetas que, à hora da morte, com a simplicidade de bem morrer sem bravatas, ainda pediu  a um poeta que lhe ensinasse a saída do labirinto, agarrado a um fio de poesia para não se enganar na porta escura.

   – Tantas vezes o ouvi citar esses versos! – observou o Carlos de Oliveira.

   São os do "Poema Final" de Camilo Pessanha que li agora mesmo, sem tropeços de lágrimas, os olhos bem secos (sim, bem secos e nítidos), para compreender bem, para apreender bem:

 

   Abortos que pendeis as frontes cor de cidra

   Tão graves de cismar, nos bocais dos museus,

   E escutando o correr da água na clepsidra,

   Vagamente sorris, resignados e ateus,

   Cessai de cogitar, o abismo não sondeis.

   ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

   Adormecei. Não suspireis. Não respireis. "

 

in José Gomes Ferreira (1900-1985), Imitação dos Dias (1966; 3.ª edição, 1977).

 

© Blog da Rua Nove

 

11
Out07

Manuel Ribeiro de Pavia

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Ilustração para a capa de O Pecado Invisível (1955), de Patrícia Joyce (pseudónimo; n. 1913).

 

   " (...) Subimos todos. Ciciar de antecâmara de moribundo. Grupinhos severos em que até os mais íntimos apertam as mãos com gravidade de cerimónia ante a morte eminente. Esvaíram-se as derradeiras probabilidades de salvação, parece. O Fernando Fonseca considera-o [a Pavia] perdido. Com uma pneumonia hipertóxica – segreda-me não sei quem.

   (Atear de pânico surdo de boca em boca. Mas então então os antibióticos nem ao menos curam uma pneumonia?)

   E enquanto alguém se põe a repetir com insipidez de lamentação pendular: " A doença apanhou-o débil de mais. Apanhou-o sem reservas", o bom do Mário Monteiro, com o seu sorriso doce de amargura, esclarece: "Não reagiu a nenhum antibiótico. Era como se ingerisse água fervida..."

   Entretanto, no quarto ao lado, em contraste com este sussurro de azáfama, continua a representação em voz alta de um simulacro qualquer de vida para aturdir de ilusão o homem que vai morrer.

   Volta e meia saem de lá de dentro mensageiros com notícias de desgraça na voz inquieta. Primeiro, o Armando Vieira Santos, que passou abnegadamente a noite em claro ao pé do amigo em perigo. Agora, o Manuel Vieira, escalonado para velar esta noite...

   – Então?

   – Delira, suponho... Há pouco, depois de falar do último poema da Clepsidra (vocês lembram-se do que diz esse poema?), exclamou: "É assim que deve morrer um racionalista!" (...)"

 

in José Gomes Ferreira (1900-1985), Imitação dos Dias (1966; 3.ª edição, 1977). 

 

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27
Set07

Manuel Ribeiro de Pavia

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Ilustração para a capa de Porto Manso (2.ª edição, 1946), de Alves Redol (1911-1969).

 

   "A Morte jantou connosco. (Título

     de filme barato).

 

   O pintor Manuel Ribeiro de Pavia veio hoje jantar connosco. Um belo gaspacho à alentejana, preparado pela perícia de Rosalia.

   Em raras ocasiões o tenho visto tão exuberante, em delírio quase, como se só naquele instante tomasse consciência de quaquer libertação essencial.

   Falou pelos cotovelos, depois de engolir as costumadas vitaminas de que recheia sempre por prudência as algibeiras. "Para acumular reservas..." – explica. (Amostras grátis. Ofertas de médicos amigos.)

   – Sim senhor. Que admirável gaspacho!

   E ia levando a colher à boca com unção de satisfazer um gosto antigo preso à língua da infância.

   Em todo o caso não aderia com aplausos completos. A receita de gaspacho dele, Pavia, parecia-lhe melhor, muito melhor. Continha vários ingredientes gostosos, como lagartos, caracóis e pedaços de cobra. Além do que a fantasia pudesse arremessar lá para dentro!

   – Até botões de colarinho, não, Pavia? – exagerei.

   Mas ele, a rir muito, insistia com pertinácia no seu mirabolante gaspacho da meninice, com cobras.

   Reparei então, mais uma vez, nas mãos que despiram as aldeãs nas Líricas – e tanto impressionaram a  Maria Keil –, peludas, esguias, unhas longas... Mãos de bicho – onde não espanta que durmam estranhas forças secretas da natureza à espera do próximo princípio do mundo verdadeiro para nos maravilharem com criações instintivas.

   Por fim, à hora do café e do conhaque, o Pavia voltou a glosar, com convicção de seriedade maliciosa que toma nessas noites de convívio ardente, o plano monumental com que me molesta há meses. Nem mais nem menos do que a organização de um Comício Poético no Coliseu dedicado à minha poesia, com a sonhada colaboração de Maria Barroso e João Villaret.

   E eu, trémulo, a conspirar contra a ideia (Ah, comício nunca! nunca!):

   – Ó Pavia: um Comício Poético?... Mas como? Não teme que isso me cubra de ridículo?

   – Qual! Verá! Verá!

   (Não vi.)"

 

in José Gomes Ferreira (1900-1985), Imitação dos Dias (1966; 3.ª edição, 1977).

 

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