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26
Jul07

Fotobiografia de Wenceslau de Moraes (19)

blogdaruanove

 

   Túmulo de Wenceslau de Moraes em Tokushima. Aparentemente, o autor faleceu de uma concussão craniana seguida de hemorragia, no seu jardim, durante a noite de 1 de Julho de 1929. No funeral que sucedeu à sua cremação, realizado dois dias depois do seu falecimento, estiveram presentes o governador da província, o presidente da câmara de Tokushima, o superintendente da polícia, o representante de Portugal, o cônsul de Itália, alunos e professores das escolas de Tokushima e várias outras personalidades. As suas cinzas juntaram-se às de Ó-Yoné. A família de Ko-Haru não permitiu que as cinzas de esta repousassem no mesmo túmulo. Eventualmente, por razões de relacionamento pessoal e afectivo entre as três personagens, desconhecidas dos biógrafos de Wenceslau de Moraes, ou simplesmente porque o autor continuava a ser para eles um estrangeiro, um marginal, um gaijin...

 

Cherry Blossom at Noge Hill, Yokohama. Kobe, 28 de Fevereiro de 1910 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa.

 

   Sobre a sua correspondência com  Maria Joaquina, declarou Wenceslau ao seu amigo Carlos Campos, em carta datada de 6 de Março de 1910:

 

   "Não, não é namoro. É, como tu dizes, bilhete para cá bilhete para lá, troca de retratos, mas não é namoro. Pela minha parte, é a mysteriosa attracção que existe entre os que se sentem morrer e os que se sentem viver, certamente com um bocado de egoismo, o de deixar o nosso nome na memoria de pessoas Amigas. Não mostres esta carta à Maria Joaquina; ella não quer que eu esteja triste e eu não posso fazer-lhe a vontade. Ella não quer muitas coisas; também não gosta que eu lhe falle no chapeu muito grande, á moda, e eu ainda ha pouco voltei ao assumpto; diz-lhe que foi por brincadeira e que não se zangue commigo.

   A verdade, meu caro, é que eu fiquei-te muito grato, quando tu tiveste  artes de ressuscitar a nossa velha amizade, ha uns 10 ou 11 annos; e quando me disseste que tinhas duas filhas, fiquei logo encantado com ellas. Quero-lhes muito e desejo-lhes mil bens. Quanto à Maria Joaquina, é bom que lhe faças vêr que não deve exaggerar os meus meritos, nem tão pouco os meritos dos meus livros, que bem poucos têem; quanto a confiança pela amizade que lhe tenho, pode crêr n'ella incondicionalmente; pode estar certa de que n'este cabo do mundo ha um Nicolau que muito lhe quer."

 

© Blog da Rua Nove

25
Jul07

Fotobiografia de Wenceslau de Moraes (18)

blogdaruanove

 

   Túmulos de Ó-Yoné e Ko-Haru, em Tokushima. Em Ó-Yoné e Ko-Haru (1923) Wenceslau de Moraes conclui assim o relato da sua visita, com Ó-Yoné, ao túmulo de Atsumori, a 20 de Junho de 1912:

 

   "Antes de nos despedirmos do logar, visitamos uma pequena venda próxima, onde uma amavel creatura offerece aos peregrinos certas refeições especiaes, em honra de Atsumori, de mistura com outras curiosidades do local. Ó-Yoné provou os acepipes e comprou pecegos deliciosos, comendo logo um, offerecendo-me outro e levando o resto para casa, rindo, feliz do seu passeio."

 

   Ó-Yoné veio a falecer a 20 de Agosto de 1912, tendo sido cremada em Kasugano, Kobe. Na sua pedra tumular foi gravada a seguinte inscrição: KAIMYO. Piedosa mulher – comparável a um vaso precioso de dizeres. Ko-Haru, tuberculosa, faleceu a 2 de Outubro de 1916 no hospital do dr. Kokawa, para onde entrara a 12 de Agosto. Sobre os últimos momentos desta musumé, e o legado de um anel de oiro que ela fez a sua mãe, escreveu Wenceslau de Moraes na supracitada obra: 

 

   "Ah! aquelle annel!... Tragica historia tinha aquelle annel!... Aquelle annel, comprado por mim havia vinte annos n'uma ourivesaria de Osaka, pertencera a outro dedo, a outra mulher [Ó-Yoné]. Fui eu quem o arrancou, ha quatro annos, a esse outro dedo, quando não era mais do que um dedo hirto, gelado, de um cadaver; e offereci-o a Ko-Haru que acabava de prestar cuidados piedosos ao corpo de uma morta querida, que ia seguir para o crematório... E agora Ko-Haru, moribunda, dispunha da unica joia que possuia, o annel de oiro, e enviava-a á mãe.

   Tragica historia a do annel, não é verdade?..."

 

   O epitáfio de Ko-Haru apresenta a seguinte inscrição: Piedosa mulher. Comparável a um magnífico quadro, traçado por um pincel primoroso e oferecido, como ex-voto, aos deuses.

 

 

Ikuta Shrine, Kobe. Kobe, 23 de Fevereiro de 1910 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa.

 

© Blog da Rua Nove

23
Jul07

Fotobiografia de Wenceslau de Moraes (16)

blogdaruanove

 

   Wenceslau de Moraes acompanhado de Ko-Haru, a mãe desta, Saito Yuki e as suas duas irmãs, Maruyé e Chyo-Ko. Logo após a morte de Ó-Yoné, Wenceslau mudou-se para Tokushima, passando a viver na rua Igamachi, acompanhado de uma sobrinha de Ó-Yoné, Ko-Haru Saitó. Sobre esta musumé pode ler-se a seguinte passagem, em Ó-Yoné e Ko-Haru (1923):

 

   "Era uma rapariga de Tokushima, de certo modo um vulto popular no bairro Tomidá, onde nasceu, onde cresceu, onde brincou, onde garotou, onde por ultimo certamente namorou; isto, durante vinte e trez anos a seguir – pois não foi mais além a sua existência de  garota – salvo um periodo de trez annos, durante os quaes esteve em Kobe, servindo como creada em minha casa. Vinte e trez annos apenas! Bem posto o nome de Ko-Haru, que nos traz logo á lembrança uma ephemera pseudo-primavera, que surge e passa breve..."

 

   Ko-Haru faleceu de tuberculose, em Outubro de 1916, no hospital Kokowa, em Tokushima.

 

 

The Tomb of Atsumori in Sumadera, Suma. Kobe, 7 de Janeiro de 1910 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa.

 

   O último passeio que Ó-Yoné deu com Wenceslau de Moraes foi neste local, a 20 de Junho de 1912. Sobre essa visita, pode ler-se a seguinte passagem no supracitado livro:

 

   "Pouco a pouco, fômo-nos familiarizando com o logar a ponto de poisarmos, n'um gesto de caricia, as nossas mãos sobre o granito. E não era inteiramente banal – permitta-se-me que o confesse – o espectaculo que offereciam as nossas duas mãos amigas – a minha rude mão, quasi disforme, de loiro homem grande da Europa, a mão mimosa e miudinha d'aquella delicada filha do Nippon – afagando a epiderme escamosa e parda d'aquellas pedras tumulares..."

 

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