Japonisme
BRUXELLES – LAEKEN La Tour Japonaise. Postal do início do século XX.
A torre japonesa de Bruxelas, Bélgica, inaugurada em 1905.
Kinkakuji Temple Kyoto. Postal do início do século XX.
© Blog da Rua Nove
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BRUXELLES – LAEKEN La Tour Japonaise. Postal do início do século XX.
A torre japonesa de Bruxelas, Bélgica, inaugurada em 1905.
Kinkakuji Temple Kyoto. Postal do início do século XX.
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Em Paisagens da China e do Japão (1906; 2.ª edição, 1938), no capítulo A Primavera, dedicado a Camilo Pessanha (1867-1926), escreveu Wenceslau de Moraes:
"Ha alguns dias, na cidade de Kobe, – poderia precisar o dia, e quasi a hora, se tamanho rigorismo me exigissem, – irrompeu a Primavera. Irrompeu: não ha sombra de exagero no vocabulo. Irrompeu, surgiu d'um pulo, fez explosão. N'este paiz do Sol Nascente, onde o sol, e com elle todas as grandes forças naturaes, são ainda uns selvagens – se assim posso expressar-me – uns selvagens sem freio, sem noção das conveniencias, incapazes de se apresentarem de visita, de luvas e casaca, n'uma côrte qualquer da nossa Europa: n'este paiz do Sol Nascente, ia eu dizendo, a creação inteira apostou, parece, em offerecer em cada dia uma surpresa, toda ella exuberancias inauditas, espalhafatos unicos, repentismos nervosos, caprichos doidos, como se reunisse em si a quinta essencia da alma das creanças e a quinta essencia da alma das mulheres, a gargalhada, a troça, enfim, motejadora de tudo quanto é ordem, harmonia, contemporisadora lei das transições.
Hontem, foi um inverno duro, gelido, vestido apenas d'uma ampla tunica de neve. Hoje, d'um salto, o sol rompeu em quenturas amorosas, começaram de florir as arvores, e evolaram-se os insectos. Amanhã, será o estio torrido, em brazas, como nem na China, nem na Africa se sente. E assim corre o tempo, vôam as horas; cada instante é um meteoro; e aqui um tufão arranca os troncos, e alli a chuva torrencial inunda as varzeas, e alem um rio tra[n]sborda do seu leito, e uma onda do largo afoga as aldeias, e uma convulsão subterranea abala o solo..."
Tamon-dori, Kobe. Kobe, 12 de Setembro de 1911 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Turcifal, Torres Vedras.
Já em Os Serões no Japão (1926; 2.ª edição, 1973), no capítulo intitulado A Paisagem Japonesa, escreveu:
"As florescências, naturalmente, imprimem particulares feitiços, embora efémeros, aos cenários. Em Fevereiro e Março, são as flores de ameixieira que tornam certos sítios aprazíveis. Em Abril, são as flores de pessegueiro, de cerejeira, de colza; Yoshino, Arashiyama, por exemplo, são famosas pelas suas cerejeiras. Seguem-se as flores das glicínias, das azáleas, das íris. Em Julho, são as alvas e as róseas flores de lótus, a emergirem dos charcos, das lagoas; a gente vai ouvir pela madrugada, o estranho – path! – o estalido das pétalas do lótus, no momento em que as corolas desabrocham. Em Novembro, não há flores; mas são as folhas do arvoredo que então se coloram de tonalidades brilhantíssimas; as folhas de momiji, em especial, atingem estupendas gradações, que vão do amarelo de ouro ao carmesim, ao rubro esbraseado; em Arashiyama, em Minô, em Takaó, em Shin-Takaó, na alcantilada Arima e em mil outros lugares, a paisagem alcança tons de apoteose, com a qual o povo, em magotes, se deleita. E, no entretanto, o outono é, como dizem os japoneses, inki, melancólico: – a grandeza do dia diminui a olhos vistos, definha-se a vegetação, desnudam-se as árvores, caem as folhas e morrem os insectos; a paisagem estila uma tristeza lutuosa, que infiltra desolações nas almas sensitivas.
Um dos grandes estímulos do cenário japonês é a neve, que lança alvos mantos de pureza sobre as costas das montanhas, e salpica de arremedos de florescência os próprios pinheiros, os bambus e outras árvores que nunca floresceram. A neve é adorada e adorável no Japão; ir ver cair a neve, pelos campos fora, em meses de Janeiro e de Fevereiro, é um dos passatempos desta gente. Conta-se que um antigo imperador, sofrendo em pleno estio, da nostalgia das nevadas, mandou cobrir de cetim branco uma colina inteira, que defrontava com as varandas do palácio."
Cherry Blossoms at Maruyama-park, Kyoto. Kobe, 7 de Setembro de 1912 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa (reendereçado para Azeitão).
"Não esqueçamos o mar. O mar, pelas suas inúmeras modalidades imprevistas, pelo seu perpétuo arfar emocionante, pelos seus murmúrios, pelos seus choros, pelos seus risos, pelos seus gritos; o mar, com o seu cortejo de barcos e pássaros, com a sua labuta piscatória, é aqui, como em toda a parte, o potente feiticeiro das cenas imprevistas, que se gravam indeléveis na memória.
Outros estímulos da paisagem residem nas estranhas aparências atmosféricas desta terra. Frequentemente, são os tons vaporosos das neblinas, os largos horizontes cor de pérola, donde emergem contornos indeisos, como de coisas sonhadas, mas não vistas; outras vezes, é o azul vívido, cintilante, do céu, de uma pureza incomparável. Juntemos as ruborizações crepusculares, os incêndios das nuvens extravagantes, os encantos do nascer e do pôr do sol, e do luar. A enumeração das oito belezas da província de Omi, Omi-kakkei, é instrutiva neste assunto. São elas: – vista do luar do outono, em Ishiyama; a neve pela tarde, em Hirayama; o pôr do sol, visto de Seta; o templo de Midera, à tarde, na ocasião de tocarem os sinos; a partida dos barcos, largando de Yabasé; o céu brilhante e a brisa, em Awasu; a chuva durante a noite, em Karasaki; os patos bravos, recolhendo a Karata.
Mencionemos os bichos. Em Junho, a aparição dos pirilampos, em certas vizinhanças das ribeiras, vem dar grande prestígio à cena, atraindo a multidão dos visitantes. O coaxar das rãs, em meses estivais, torna queridos outros poisos. O zumbido, o canto, o grito de outros seres, a pesca também, darão fama a outros lugares."
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Wenceslau de Moraes junto da cascata de Nunobiki, próximo de Kobe. Sobre este sítio, escreveu o autor em Paisagens da China e do Japão (1906):
"Não haverá ninguem, imagino, que tendo passado em Kobe, não conheça Nunobiki, a cascata. (...) Lá em riba, muito em riba da montanha, salpicada de espumas e acalentada em rumorejos, na penumbra do ermo apertado entre penedos a prumo, cobertos de ramaria silvestre, era a casa de chá , a cháya tradicional, oferecendo repoiso por alguns minutos e uma bebida ao forasteiro extasiado, sem fallar nos sorrisos, nas mesuras, que prodigalizavam largamente as raparigas que alli olhavam pela venda. Ha alguns annos, disseram-me, eram trez raparigas, trez irmans, – as trez Graças; – mas eu conheci só duas, tendo casado a outra com um titular europeu, conforme ouvi. Eu conheci só duas: O-Tane San, a Senhora Semente, e O-Haru, a Senhora Primavera."
Entre 1899 e 1912, Wenceslau de Moraes manteve assídua correspondência com o seu amigo Carlos Campos, funcionário superior da Companhia de Tabacos de Portugal, em Lisboa. Esta amizade veio proporcionar uma troca regular de bilhetes postais entre uma das filhas de Carlos Campos, Maria Joaquina, e Wenceslau de Moraes, correspondência que sobreviveu ao falecimento de Carlos Campos, em Outubro de 1912. O conjunto destes bilhetes postais, escritos entre 1909 e 1928, encontra-se depositado na Universidade de Estudos Estrangeiros, em Kyoto.
Sanno-miya-dori, Kobe. Kobe, 2 de Fevereiro de 1909 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa.
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