Autógrafos - José Viale Moutinho
José Viale Moutinho (n. 1945), Correm Turvas as Águas deste Rio (1982).
José Viale Moutinho (n. 1945)
Jornalista, poeta e ficcionista, Viale Moutinho tem sido um cultor do absurdo em vários dos seus contos, numa linha que apresenta alguns pontos de contacto com a produção de Mário Henriqe Leiria (1923-1980). A sua prática ficcional do absurdo e do fantástico não o afasta, contudo, da contestação e da crítica político-social que, curiosamente, exerce muitas vezes na sua poesia. Mesmo elaborada há décadas atrás, essa contestação mantém muitas vezes a sua actualidade, como se pode constatar no poema apresentado, o qual foi publicado há vinte e cinco anos.
Embora Viale Moutinho surja como um autor habitualmente esquecido pela crítica e afastado dos lobbies literários, tem uma produção vasta e constante que gera consenso quanto à sua qualidade e se encontra traduzida em várias línguas.
De Correm Turvas as Águas deste Rio, transcreve-se o poema da página 49:
"DE QUEM SÃO
à Raquel e ao Antunes Ferreira
de quem são todas estas mãos
dentro dos meus bolsos vasculhando
o cotão à procura da última moeda
perguntava para consigo aquele
que fingia desconhecer quem governava
pobre companheiro de jornada teus olhos
nesse musgo enredado que cega
mereciam o grande prémio do apoio
a quem em ti se apoia sem pudor
na terra roubada e no muito suor
silêncio é então o que respondes
receoso de que tenham instituído
de novo aquela polícia tão secreta
e que se metia em toda a parte e ouvia
o bater do teu coração como prova de culpa
levanta-te meu caro e prepara-te
o pontapé é agora já todos sabemos
que tem de ser agora: afia a bota que
de todos esses monstros de rapina
nem um deve ficar de amostra ou pista"
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