Macau, 1936 (IX)
Bilhete postal circulado em 1918, de Singapura para o Brasil.
Três dias depois estava em Singapura. O calor recordou-lhe Angola. Mas aqui a humidade era maior. Deambulou pela cidade, como sempre fazia, de máquina fotográfica a tiracolo. Ia sorrindo. Saudava sempre os novos lugares com um sorriso. Ainda que fosse um sorriso melancólico, como este.
Aquela cidade tropical parecia o modelo perfeito da organização colonial inglesa. A Companhia Britânica da Índia Oriental tinha desempenhado bem o seu trabalho no século XIX. E o governo da rainha Victoria não aproveitara menos bem o enorme potencial da região quando a coroa assumra a administração do território, décadas mais tarde... Em pouco mais de cem anos Singapura passara a ser uma próspera e exemplar cidade colonial... Continuou a sorrir, desta vez com ironia... Sob a administração da coroa, quem teria passado a lucrar com o tráfico de ópio?
O artificial aspecto britânico da colónia mal escondia, porém, toda a vivacidade e originalidade das terras asiáticas. Os britânicos administravam e dominavam. À superfície. Bem lá no fundo, nos bairros dos arredores, afastados da hierarquia ocidental, predominavam outras hieraquias e outros costumes.
Encontrou um laboratório fotográfico numa rua próxima da Cavanagh Bridge. A troco de umas moedas conseguiu a revelação para o mesmo dia. Aquelas casas estavam habituadas a turistas endinheirados e passageiros apressados. O trabalho de dois ou três dias fazia-se em poucas horas, desde que bem pago. No Oriente, como em todo os lados, o dinheiro abria quase todas as portas.
Tinha de admitir que era um fotógrafo inveterado. Amador, mas inveterado. Um maníaco das imagens. Por isso queria as películas logo reveladas. Sabia que a humidade não era grande coisa. Nem para europeus, nem para máquinas fotográficas, nem para películas...
Jantava-se cedo nos trópicos. Pouco depois de o sol se pôr levantou-se da mesa e foi recolher as fotografias. Não conferiu nem abriu o pacote. Levou-o de imediato para o Sibajak e depositou-o na mesinha do camarote.
Na manhã seguinte, já ao largo, encontrou as fotografias espalhadas pelo camarote. A única fotografia em que ele aparecia, tirada por um prestável e sorridente ciclista, um fotógrafo ocasional convencido através de aturada gesticulação, tinha a sua imagem completamente riscada. A tinta verde. Uma tinta que ele muito bem conhecia.
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