... Wenceslau de Moraes, do Japão!
Aspectos do interior da casa de Wenceslau de Moraes, em Tokushima, pouco depois da sua morte. Fotografias publicadas no magazine Civilização, número 19, de Janeiro de 1930.
© Blog da Rua Nove
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Aspectos do interior da casa de Wenceslau de Moraes, em Tokushima, pouco depois da sua morte. Fotografias publicadas no magazine Civilização, número 19, de Janeiro de 1930.
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Aspectos do interior da casa de Wenceslau de Moraes, em Tokushima, pouco depois da sua morte. Fotografias publicadas no magazine Civilização, número 19, de Janeiro de 1930.
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Esta planta da casa de Wenceslau de Moraes, publicada em 1933, seguia-se a uma descrição dos hábitos do autor:
"Wenceslau de Moraes tinha em casa, como os japonêses costumam ter, um oratório budista, e por detrás de uma imagem de Buda, poisando sobre uma flôr de lotus, a fotografia da sua última mulher querida; todos os dias ia ao cemitério Ohiyo-On-ji onde se demorava cêrca de uma hora falando em voz baixa em frente do túmulo de Ó-Yoné, enquanto brincava com as pedrinhas brancas que costumam vêr-se sobre os túmulos japonêses e noutros no Oriente."
Esta referência discreta ao interior da habitação de Moraes contrasta com uma descrição posterior, publicada em 1937:
"A residência do escritor, pequena e modestíssima, compunha-se de rez-do-chão e um andar e dividia-se em três compartimentos estreitos e acanhados, onde as coisas mais estranhas se amontoavam, cobertas de pó, numa desordem e num abandôno singularmente contrastantes com o irrepreensível aceio dos interiores japoneses, a que tanta vêzes aludiu nos seus livros com sincera admiração e carinho.
Na parede do quarto onde foi deposto o cadáver apareceu colado um velho pedaço de papel, de forma rectangular, já quási negro pela acção da luz, com os seguintes dizeres em português, japonês e inglês:
Em caso de minha morte é meu desejo que o meu corpo seja cremado (sujeito a cremação) em Tokushima.
Tokushima, 29 de Julho de 1913.
Wenceslau de Moraes "
Cherry Blossoms in Komuro at Kyoto. Kobe, 2 de Maio de 1910 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa.
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Projecto da década de 1930 para um museu dedicado a Wenceslau de Moraes, em Tokushima.
Evocando em 1936 a morte do autor, escreveu Jiro Yumoto, da prefeitura de Tokushima:
"Não são poucos os estrangeiros que estudam o Japão ou o louvam. Contudo, Moraes que, adquirindo perfeitamente o espírito nipónico, viveu como um verdadeiro japonês e muito louvou o Japão, investigando-o piedosamente, é mui distinto daqueles que querem escrever sôbre o Japão só com interêsse, observando-o superficialmente. Seria bom chamar-lhe Moraes do Japão, nascido em Portugal, em vez de chamar-lhe português.
Moraes! Moraes! Wenceslau de Moraes do Japão!
Que a tua alma descance em paz eterna no nosso Japão das cerejeiras que tanto amaste, em companhia das tuas queridas Ó-Yoné e Ko-Haru!"
Cherry Blossoms in Mint Office at Osaka. Kobe, 20 de Abril de 1910 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa.
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Túmulo de Wenceslau de Moraes em Tokushima. Aparentemente, o autor faleceu de uma concussão craniana seguida de hemorragia, no seu jardim, durante a noite de 1 de Julho de 1929. No funeral que sucedeu à sua cremação, realizado dois dias depois do seu falecimento, estiveram presentes o governador da província, o presidente da câmara de Tokushima, o superintendente da polícia, o representante de Portugal, o cônsul de Itália, alunos e professores das escolas de Tokushima e várias outras personalidades. As suas cinzas juntaram-se às de Ó-Yoné. A família de Ko-Haru não permitiu que as cinzas de esta repousassem no mesmo túmulo. Eventualmente, por razões de relacionamento pessoal e afectivo entre as três personagens, desconhecidas dos biógrafos de Wenceslau de Moraes, ou simplesmente porque o autor continuava a ser para eles um estrangeiro, um marginal, um gaijin...
Cherry Blossom at Noge Hill, Yokohama. Kobe, 28 de Fevereiro de 1910 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa.
Sobre a sua correspondência com Maria Joaquina, declarou Wenceslau ao seu amigo Carlos Campos, em carta datada de 6 de Março de 1910:
"Não, não é namoro. É, como tu dizes, bilhete para cá bilhete para lá, troca de retratos, mas não é namoro. Pela minha parte, é a mysteriosa attracção que existe entre os que se sentem morrer e os que se sentem viver, certamente com um bocado de egoismo, o de deixar o nosso nome na memoria de pessoas Amigas. Não mostres esta carta à Maria Joaquina; ella não quer que eu esteja triste e eu não posso fazer-lhe a vontade. Ella não quer muitas coisas; também não gosta que eu lhe falle no chapeu muito grande, á moda, e eu ainda ha pouco voltei ao assumpto; diz-lhe que foi por brincadeira e que não se zangue commigo.
A verdade, meu caro, é que eu fiquei-te muito grato, quando tu tiveste artes de ressuscitar a nossa velha amizade, ha uns 10 ou 11 annos; e quando me disseste que tinhas duas filhas, fiquei logo encantado com ellas. Quero-lhes muito e desejo-lhes mil bens. Quanto à Maria Joaquina, é bom que lhe faças vêr que não deve exaggerar os meus meritos, nem tão pouco os meritos dos meus livros, que bem poucos têem; quanto a confiança pela amizade que lhe tenho, pode crêr n'ella incondicionalmente; pode estar certa de que n'este cabo do mundo ha um Nicolau que muito lhe quer."
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Túmulos de Ó-Yoné e Ko-Haru, em Tokushima. Em Ó-Yoné e Ko-Haru (1923) Wenceslau de Moraes conclui assim o relato da sua visita, com Ó-Yoné, ao túmulo de Atsumori, a 20 de Junho de 1912:
"Antes de nos despedirmos do logar, visitamos uma pequena venda próxima, onde uma amavel creatura offerece aos peregrinos certas refeições especiaes, em honra de Atsumori, de mistura com outras curiosidades do local. Ó-Yoné provou os acepipes e comprou pecegos deliciosos, comendo logo um, offerecendo-me outro e levando o resto para casa, rindo, feliz do seu passeio."
Ó-Yoné veio a falecer a 20 de Agosto de 1912, tendo sido cremada em Kasugano, Kobe. Na sua pedra tumular foi gravada a seguinte inscrição: KAIMYO. Piedosa mulher – comparável a um vaso precioso de dizeres. Ko-Haru, tuberculosa, faleceu a 2 de Outubro de 1916 no hospital do dr. Kokawa, para onde entrara a 12 de Agosto. Sobre os últimos momentos desta musumé, e o legado de um anel de oiro que ela fez a sua mãe, escreveu Wenceslau de Moraes na supracitada obra:
"Ah! aquelle annel!... Tragica historia tinha aquelle annel!... Aquelle annel, comprado por mim havia vinte annos n'uma ourivesaria de Osaka, pertencera a outro dedo, a outra mulher [Ó-Yoné]. Fui eu quem o arrancou, ha quatro annos, a esse outro dedo, quando não era mais do que um dedo hirto, gelado, de um cadaver; e offereci-o a Ko-Haru que acabava de prestar cuidados piedosos ao corpo de uma morta querida, que ia seguir para o crematório... E agora Ko-Haru, moribunda, dispunha da unica joia que possuia, o annel de oiro, e enviava-a á mãe.
Tragica historia a do annel, não é verdade?..."
O epitáfio de Ko-Haru apresenta a seguinte inscrição: Piedosa mulher. Comparável a um magnífico quadro, traçado por um pincel primoroso e oferecido, como ex-voto, aos deuses.
Ikuta Shrine, Kobe. Kobe, 23 de Fevereiro de 1910 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa.
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Vista panorâmica de Tokushima. Num postal endereçado a Maria Joaquina Campos em 18 de Agosto de 1913, Wenceslau de Moraes declarava: "Estou aqui [em Tokushima] em ferias, descançando; as cartas pª Kobe são-me aqui enviadas." Dois meses depois, num postal para a mesma destinatária, datado de 8 de Outubro, já abordava claramente a sua situação:
"Quer a minha Fidalguinha que eu lhe dê notícias minhas e da minha nova situação, que não percebe. Eu lhe conto, em poucas palavras. Eu andava ha muito tempo cahido em profundo abatimento, moral e physico, sem forças pª exercer o meu cargo e com um profundo aborrecimento por tudo, por todos e por mim mesmo. N'estas condições, fiz o melhor que tinha a fazer – retirei-me da scena. – Pergunta-me qual é a minha situação. Nenhuma; e desde setº, exonerado de tudo a meu pedido, não recebo do Governo um só real. Não sou nada e não tenho nada. Mas não fique com cuidado em mim: possuo recursos sufficientes para viver uma vida modestissima, que é a que mais me convem, n'este canto de provincia japoneza pª onde me retirei. Agora, não me convinha ir a Portugal; mas espero ahi voltar dentro de poucos annos, para resolver definitivamente o que devo fazer; e então terei a grande ventura de abraçal-a."
Beach of Suma Near Kobe. Kobe, 8 de Janeiro de 1910 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa.
Neste postal, Wenceslau de Moraes refere-se a Ó-Yoné nos seguintes termos: "Quanto à minha cosinheira, Yone-san, ainda cá a tenho, sim; por signal, q cosinha bem mal." A inicial manuscrita visível na frente, que parece corresponder a um "W", corresponde na verdade a um "N", de Nicolau, designação afectuosa com que assinava os postais para esta sua correspondente.
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Wenceslau de Moraes acompanhado de Ko-Haru, a mãe desta, Saito Yuki e as suas duas irmãs, Maruyé e Chyo-Ko. Logo após a morte de Ó-Yoné, Wenceslau mudou-se para Tokushima, passando a viver na rua Igamachi, acompanhado de uma sobrinha de Ó-Yoné, Ko-Haru Saitó. Sobre esta musumé pode ler-se a seguinte passagem, em Ó-Yoné e Ko-Haru (1923):
"Era uma rapariga de Tokushima, de certo modo um vulto popular no bairro Tomidá, onde nasceu, onde cresceu, onde brincou, onde garotou, onde por ultimo certamente namorou; isto, durante vinte e trez anos a seguir – pois não foi mais além a sua existência de garota – salvo um periodo de trez annos, durante os quaes esteve em Kobe, servindo como creada em minha casa. Vinte e trez annos apenas! Bem posto o nome de Ko-Haru, que nos traz logo á lembrança uma ephemera pseudo-primavera, que surge e passa breve..."
Ko-Haru faleceu de tuberculose, em Outubro de 1916, no hospital Kokowa, em Tokushima.
The Tomb of Atsumori in Sumadera, Suma. Kobe, 7 de Janeiro de 1910 – Bilhete postal enviado por Wenceslau de Moraes para Maria Joaquina Campos, Lisboa.
O último passeio que Ó-Yoné deu com Wenceslau de Moraes foi neste local, a 20 de Junho de 1912. Sobre essa visita, pode ler-se a seguinte passagem no supracitado livro:
"Pouco a pouco, fômo-nos familiarizando com o logar a ponto de poisarmos, n'um gesto de caricia, as nossas mãos sobre o granito. E não era inteiramente banal – permitta-se-me que o confesse – o espectaculo que offereciam as nossas duas mãos amigas – a minha rude mão, quasi disforme, de loiro homem grande da Europa, a mão mimosa e miudinha d'aquella delicada filha do Nippon – afagando a epiderme escamosa e parda d'aquellas pedras tumulares..."
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Última fotografia conhecida de Wenceslau de Moraes (1854-1929).
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